Esclerose Lateral Primária

Michelle Detoni * Dr. Wladimir Bocca Vieira de Rezende Pinto * Dr. Fabrício Diniz**


O primeiro relato de caso de Esclerose Lateral Primária (ELP) foi realizado pelo neurologista francês Charcot em 1865. Ele descreveu uma paciente que apresentava fraqueza nos quatro membros, espasticidade e degeneração do trato piramidal.

Historicamente há uma controvérsia se a ELP é uma variante da Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) ou não. De qualquer modo, elas são clinicamente distintas e a ELP apresenta características e prognóstico mais benignos, sendo esta diferenciação entre elas de importante utilidade clínica.

A doença do neurônio motor abrange um grupo heterogêneo de doenças que afetam os neurônios motores superior, inferior ou ambos. A ELP faz parte deste grupo de doenças e nela há degeneração do neurônio motor superior, que clinicamente traduz-se principalmente por espasticidade, aumento dos reflexos miotáticos e fraqueza.

Epidemiologia

A ELP é uma doença neurodegenerativa rara, que representa 1-4% de todos os pacientes com doença do neurônio motor, crônica e lentamente progressiva. Geralmente inicia-se em pessoas com mais de 20 anos de idade, mais frequentemente entre a quinta e a sexta décadas de vida e com um leve predomínio no sexo masculino.

Apresentação clínica e sintomas

Os pacientes costumam apresentar espasticidade, aumento dos reflexos miotáticos, sinal de Babinski e fraqueza de músculos especialmente das pernas. Estas manifestações clínicas podem ser percebidas e relatadas pelos pacientes como rigidez, alteração da coordenação motora ou da destreza e perda de equilíbrio e de fluidez da marcha, acompanhados por tropeços e dificuldades de se elevar as pernas. Com a progressão desses sintomas, o uso de dispositivos auxiliares para a locomoção pode ser necessário.

É comum a fraqueza e a diminuição da destreza ocorrer também nos braços e nas mãos, bem como sintomas bulbares, traduzidos por dificuldade de fala (disartria), deglutição (disfagia) e labilidade emocional com exibições involuntárias de choro/riso (afeto pseudobulbar), que em alguns casos podem anteceder o acometimento dos membros inferiores. Outros sintomas são a urgência urinária, que pode ser encontrada em 30-50% dos pacientes com a doença, e relatos de espasmos musculares dolorosos. A cognição e a visão costumam ser preservadas, e o comprometimento sensitivo, a neuropatia periférica e a ataxia não fazem parte das alterações neurológicas encontradas na ELP.

Diagnóstico

O diagnóstico clínico da ELP é realizado pela exclusão de outras doenças e avaliação da história familiar. Entre os diagnósticos diferenciais, devem ser excluídas as causas estruturais, desmielinizantes, infecciosas, inflamatórias, metabólicas e tóxicas, e ainda ser feito uma minuciosa diferenciação entre as causas genéticas/neurodegenerativas.

Nos estágios iniciais da ELP, quando os sintomas estão restritos a fraqueza e espasticidade nos membros inferiores e as causas adquiridas são afastadas, pode haver uma dificuldade para diferenciá-la da Paraparesia Espástica Hereditária (PEH) e da ELA. Nestes casos, os neurologistas devem ficar atentos a: 1) acometimento dos músculos dos braços, da fala e da deglutição, que pode sugerir ELP em detrimento da PEH; 2) evidências de significativa atrofia muscular e fasciculações, que são sugestivos da ELA.

A base genética é bem estabelecida na ELA e na PEH, mas ainda é muito desconhecida na ELP, o que dificulta ainda mais o diagnóstico correto.

Entre os exames complementares para a investigação, a neuroimagem de encéfalo e medula espinhal, o estudo do líquor cefalorraquidiano, a eletroneuromiografia, bem como exames laboratoriais podem ajudar a distinguir a ELP de outras doenças sintomatologicamente relacionadas.

Após afastadas as outras causas, o paciente deve ser acompanhado durante um período de no mínimo três anos para que as demais doenças sejam excluídas com segurança e o diagnóstico de ELP seja realizado.

Tratamento

Não há nenhum tratamento curativo, preventivo ou reversivo para a ELP até o momento. Assim, as estratégias de tratamento objetivam tratar os sintomas e a funcionalidade dos indivíduos afetados para que haja uma melhora na qualidade de vida. Elas são classificadas em 1) não-farmacológicas, que são essencialmente a fisioterapia, a terapia ocupacional, a fonoterapia e a neuromodulação; e 2) farmacológicas, que usam medicamentos focados no tratamento da espasticidade (baclofeno, tizanidina, ziclague, benzodiazepínicos e toxina botulínica), do excesso de secreção oral (hioscina/escopolamina, atropina sublingual, antidepressivos tricíclicos e toxina botulínica) e do afeto pseudobulbar (dextrometorfano/quinidina e antidepressivos tricíclicos).

* PhD em Biologia

* Médico neurologista assistente do Ambulatório de Doenças Neuromusculares da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

**  Médico Neurologista, doutorando em Fisiopatologia Médica na área de Neurociências da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)


Referências Bibliográficas

Charcot JM (1865). Sclérose des cordons lateraux de la moelle épinière chez une femme hystérique, atteinte de contracture permanente des quatres membre. Bull Mém Soc Med Hôp Paris, 2:24-42.

Rowland LP (1999). Primary lateral sclerosis: disease, syndrome, both or neither? Journal of the Neurological Sciences 170:1-4.

Statland JM, Barohn RJ, Dimachkie MM, Floeter MK, Mitsumoto H (2015). Primary Lateral Sclerosis. Neurol Clin 33(4):749-60.

Turner MR et al. (2020). Primary Lateral Sclerosis: consensus diagnostic criteria. J Neurol Neurosurg Psychiatry, 91: 373-377.